A antropologia cultural é a ciência que estuda como as pessoas criam um sistema cultural em comum e organizam e moldam o mundo social e físico (cultura material) ao seu redor a partir desse sistema. Assim, antropólogos culturais estudam como pessoas, processos e toda a vida social são moldadas por essas ideias, comportamentos e ambientes físicos. Imagine que estamos vivendo numa matrix (sim, como no filme) e o que entendemos por realidade, a forma como enxergamos as pessoas e classificamos a elas e tudo à nossa volta são geradas por códigos dessa matrix. Nós vemos a realidade. O antropólogo enxerga os códigos, mapeia como eles se inter-relacionam nessa rede em que opera o sistema que entendemos como sendo a realidade.
Bugou sua cabeça, né? Mas olha, embora isso pareça “viagem”, é uma metodologia operada por sistematização, categorização de tudo o que é percebido e entendido como verdade nessa matrix chamada cultura.
Mas para que os antropólogos estudam isso? Qual a diferença da antropologia para a sociologia, o estudo das sociedades?
Veja, uma sociedade é um agrupamento de indivíduos que vive num sistema de cooperação mútua. Observe as formigas. Elas vivem numa sociedade e cooperam mutuamente (por vezes, parece que cooperam mias no que na sociedade humana. Hehehe) e em diferentes regiões do planeta, com condições físicas do meio ambiente semelhantes, uma sociedade de saúvas vai operar e funcionar da mesma forma. Agora, existe uma coisa que as sociedades humanas tem que as sociedades de seres irracionais não tem. Imagine que em diferentes terras de clima tropicais, com as mesmas condições físicas e ambientais, sociedades se formam, se desenvolvem e criam sistemas que ordenam sua vida social e a relação com o meio ambiente de forma muito, muito diferente.
Por que isso acontece? Por que até dentro de um mesmo país, temos sociedades que são diferentes entre si, mesmo que essa diferença seja sutil? Observem como as pessoas na Bahia tem formas de ver o mundo e se relacionar com ele e com seus semelhantes de forma diferente do Rio Grande do Sul. Isso não ocorre na sociedade das saúvas. Porque as formigas, embora tenham formas lógicas de se relacionar e viver, não “pensam sobre o pensamento”, não desenvolvem linguagens próprias, não observam o seu entorno e criam sistemas de crenças que expliquem o que enxergam, a realidade física onde vivem e as pessoas. Os seres humanos operam para além de sistemas sociais orientados pela funcionalidade da cooperação mútua para sobrevivência. Eles operam por “abstrações”.
Ah, mas vivemos em cidades concretas, nos alimentamos, vivemos vidas objetivas assim como as formigas!
Correto. Mas apense no que são as bases da sociedade em que vivemos. Vivemos num planeta chamado Terra, num continente chamado América, num país chamado Brasil. Você já parou para pensar que todas essas coisas que formam a base da nossa realidade, a materialidade que forma nossa sociedade são abstrações? Um país não é “natural”, é uma construção simbólica. Assim como as cidades, o parentesco, a justiça e as leis, o trabalho e suas divisões e tudo mais que que define de forma estrutural nossas vidas.
A antropologia Estrutural de Levi Strauss buscou entender esse sistema de estruturas que formam nossa vida em sociedade e que classificam tudo aqui que entendemos como fatos, realidade, a forma como vivemos e nos relacionamos.
E essa estrutura cria sistemas que definem e orientam a vida em sociedade e que são diferentes entre si. E é essa diferença entre diferentes sociedades que se constitui o objeto de estudo da antropologia. Porque essas diferenças são os elementos que definem a identidade dos grupos sociais que estudamos.
Peraí, estudo da diferença é o estudo da cultura?
Sim. Antropologia é o estudo do Outro, daquele de uma cultura diferente da minha e das características dessa diferença que estruturam o sistema cultural em que ele vive. Pense como é para um brasileiro acostumado a abraçar, lidar de forma próxima e afetuosa seus amigos e até com desconhecidos ao cumprimentá-los, ir para um país como a Noruega e abraçar alguém que acabou de conhecer. Essa pessoa poderia entender esse comportamento comum para o brasileiro como uma invasão de seu espaço, talvez até, como um tipo de assédio. Pois bem, essas características que compreendem o calor e proximidade do brasileiro (que pode ser visto como ofensivo) e o distanciamento do norueguês (que pode ser visto como frieza), são na verdade diferenças culturais. Não estão certas, nem erradas, são apenas padrões de comportamento que são de sua cultura. E o que são esses padrões senão diferenças? E o que são essas diferenças se olharmos para essas duas sociedades distintas? São os elementos que constituem sua identidade cultural.
Então o antropólogo se ocupa de mapear, analisar, e interpretar esse sistema para decodificar os elementos que constituem uma cultura. Mas… como ele vai interpretar isso? Ele vai olhar para essas diferenças do Outro e vai julgá-las porque ele também faz parte de uma cultura.
É aí que entra uma base da antropologia como ciência – seu método. O antropólogo vai lançar mão de uma metodologia de pesquisa de imersão para mapear todos esses códigos e criar processos de sistematização deles, como numa taxonomia (aqui, a taxonomia cultural que usamos para analisar consumi dores), onde cada elemento dessa cultura vai ser analisado segundo seu significado dentro de uma ordem sistemática que molda a forma como os indivíduos desta sociedade percebem, interagem e se relacionam com a realidade.
Mas como isso é possível?
Pela etnografia e relativismo cultural – métodos de investigação antropológica e processos de análise.
Mas, bem, esse papo metodológico vai ficar para o próximo post. Por enquanto, aproveite para olhar a realidade em que você vive e tentar ver quais são os códigos indenitários em que você vive. Quais são as diferenças do grupo e padrões de comportamento em que você vive para outro grupo? Pode ser sua cidade, seu bairro, a torcida do seu time em relação ao time rival, o estilo de música que você gosta, ou mesmo a sua área profissional em relação a outras dentro da empresa que você trabalha. Navegue nos códigos da matrix. Enjoy the ride! 😉